segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Pior bebida de todas

 No bar chamado Karma, cheguei pra lá da tarde. Cheio de muitos outros como eu, cada um com suas lamentações. Romeo e toda sua pomposa paciência sempre tirando proveito da situação, folheando uma caderneta, anotando as grandes dividas, recebendo pagamento com histórias e lágrimas como gorgeta. 


Tranquila cheguei e me sentei próximo daquele filha da mãe, cafetino dos amargurados. 
( Apelido carinhoso, obviamente. )

Bati no balcão, pedi a bebida mais amarga que ali tivesse, virei um copo.

Tossi como se tivesse engolido a droga de uma lagarta de fogo. 

Romeo até ensaiou um sorriso, quase louco ao ponto de mangar de mim. Desistiu no caminho. 

Encheu meu copo, bebi a metade querendo cuspir, deixei de lado.

Ele apenas suspirou, com aquela cara mulquirana de quem não ia desperdiçar. 

Bebeu o que sobrou da dose, e se serviu de mais dois quartos. 

Tive ódio do filha da puta, para ele parecia tão fácil...

"Não é a primeira desilusão que bebo, de certo não vai ser a última." Respondeu tranquilo, voltado às suas contas.

"Já bebeu tanto assim? Ao ponto de se tornar indiferente?" Perguntei sem conseguir segurar o espanto.

"Para isto? Nunca é o bastante. Mas o que eu já bebi foi o suficiente para me abtuar aos queimores de quando desce, e ao bile quando sobe. Já não vômito mais, engulo tudo outra vez, e bebo mais um pouco. Temo que nem mesmo se eu bebesse todas as desilusões do mundo eu me tornaria indiferente. 

Ninguém se torna, não há como. 

Não importa quanta vezes você apanhe, com o tempo os ossos endurecem, os músculos caliçam. 

Mas ainda vai doer. 

Por vezes um pouco menos, por vezes um pouco mais. 

Nunca anestésico. "

"Tantos amores no currículo deveria me servir de algo, ao menos." Resmunguei ainda inconformada. 

Romeo sorriu, e me serviu mais um copo.

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Perca seu tempo

 Converse comigo.


Converse comigo até que seja tarde, mas tão tarde que seja cedo.

Perca o ônibus, espere o próximo.

Me faça perder a hora de tomar meus remédios, não me importo.

Dívida o maço, o copo, a lata ou uma história, duas, três...

Ria de qualquer bobagem que eu falei, e fale uma ainda maior, para rirmos...

Rirmos ao ponto de faltar ar, e no fim da risada só restar um breve olhar...
Antes de mudarmos de assunto.

E então marque comigo.

Uma caminhada na praia numa tarde de um domingo qualquer, ou um filme indie no São Luís.

Uma volta pelo antigo, ou um dos bares da aurora... Até mesmo um vinho barato em uma praça, eu topo! Uma conversa literária.

Ah, Camões... Lispector, Assis...

Converse comigo...

Até que o tarde se torne cedo.

Até que o dia esteja terminando para nós e começando para os outros.

Quero voltar para casa, descalça, com o que sobrou do vinho na garrafa, bebendo os últimos goles já quentes, andando pelo meio fio, chutando pedras e cantarolando Johnny Hooker... Porque estou feliz, e a noite foi boa.

Mas a companhia...

Melhor ainda.

( Fevereiro, Yasmim e Ísis.)

A carta que não tem destinatário fixo.


"Um viajante, com uma alma aventureira, as vezes pode permanecer mais tempo em algum lugar, do que é esperado.
Simplesmente por se ver encatando com as belezas locais.

Mas sempre vai chegar o momento
Em que ele

Já terá
Visitado
Todos os pontos turísticos.

Já terá
experimentado
Todas às aventuras que aquele lugar pode oferecer.

Já terá
Provado
Toda a culinária local.

Já terá
Ido em
Todos os bares,
Museus,
Praças,
E eventos.

E por mais que o lugar pareça incrível e encantador, nada satisfaz a sede de aventura do viajante.

Ele sabe que no mundo há muitos lugares a se conhecer.
E quando menos se espera, o viajante pega sua bagagem, recolhe as lembrancinhas que comprou, faz check-out,

E vai embora."


No nosso romance, você foi o viajante.
E minha vida, obviamente, o lugar.

As belezas naturais, e pontos turísticos de lugares esplêndidos, as vezes não são capazes de fazer com que alguém
Fique,
Se estabeleça,
Ou
Crie raízes. 

Por que mesmo eu seria capaz de te fazer ficar ? 

Nem ao menos foi minha intenção. 

É a sua essência, custou mas eu atendi.
Não posso te fazer mudar, não se pode prender um espírito livre. 

Mas é pedir de mais da minha capacidade de compreensão, e esperar de mais da minha maturidade, achar que vou aceitar de bom grado os seus cartões postais.

Dói ver suas fotos e seus check-in e outros lugares que lhe encantam, dói ainda mais saber que você não tem um endereço fixo para que eu te mande esta carta.

Tu demostras estar feliz, toda vez que pública um check-in ou comenta sobre o ótimo atendimento de alguma estalagem.
Os lugares que você passa são lindos, admito. 
São tão lindos, e você me parece tão feliz, que me custa acreditar em suas palavras de saudades, rabiscadas nos versos dos postais que você me manda. 

Quando você resolver voltar, espero que suas tantas viagens tenham lhe dado sabedoria o suficiente para compreender que o tempo passa, e coisas acontecem.

Alguns restaurantes 5 estrelas perdem credibilidade.
Pontos turísticos deixam de ser atraentes.
Hotéis falem.
Monumentos são vandalizados.
Desatres naturais acontecem.
E reconstruções são feitas. 

Não volte para um lugar com o pensamento que ele vai sempre continuar o mesmo.

Algumas pessoas só estão de passagem.
Algumas permanecem e depois vão embora, logo após cumprir sua função.
E algumas apenas se mudam.

Apenas tenha em mente: 
Você não é o único turista que por aqui passou, e nem será o último.

Espero que um dia encontre o que tanto procura.

Atenciosamente, R.


Gaibu

 Fico imaginando você de mãos dadas comigo 

Desviando das pessoas sentadas às mesas dos bares lotados
Daquela avenida movimentada 
Que fica fechada
Aos fins de semana

E se parássemos na vendinha hippie ? 
Eu te compraria um colar de pedra
Ou
Brincos de concha

E te veria revirar os olhos 
Por eu saber todos os significados
E todos os nomes
Das pedras
É, você nunca foi alguém que se atém a simbolismo. 

Ou até mesmo ao misticismo. 

Irônico.

Passaríamos na barraca de tiros ? 
Não sei se você gosta de armas

E quais seriam os loucos que pagariam dois temers por três tiros ? 

Eu pagaria.

Mesmo sendo péssima ao segurar a espingarda de pressão
E tendo uma mira horrível 

Você me pediria para acertar a caixa de chocolates ? 

Bem, eu tentaria.

Mas falharia miseravelmente

Porque me distraí ao puxar o gatilho
Pois algo na sua expressão
Ao me ver concentrada em algo
É muito mais interessante 
Que qualquer outra coisa

A verdade é que você foi meu clichê mais desejado

Aquele que nunca aconteceu
Mas eu sempre quis

Um passeio de verão em Gaibu
E queria até mesmo 
Você sentada no meu colo
Numa cadeira de balanço da varanda
Enquanto leio um livro qualquer
Numa manhã chuvosa

Ou um rádio velho tocado nossa música no fim de tarde de um domingo ensolarado
Enquanto eu te ajudo a preparar o café

Eu quis você me apertando os dedos da mão
Quando passar alguém bonito
Sem notar que eu nem mesmo olho
Perdida na sensação da sua mão na minha

Eu quis todos os abraços de até logo e os beijos de bem vindo de volta ao chegar do trabalho

Eu quis tudo isso e mais um pouco

Mas talvez seja porque o Eça disse que os amores eternos são os amores impossíveis

Que nada disso tenha sido possível antes

E nunca será

Pois somos como aquele livro

Que foi uma boa ideia, ah, foi uma ótima ideia

Mas o autor não soube como coloca-la em palavras, mas publicou mesmo assim

E somos iguais. 

Uma boa ideia perdida num emaranhado de palavras mal escolhidas, ao acaso jogadas num papel empoeirado

E talvez a gente nunca passe disso.

segunda-feira, 15 de junho de 2020

Poucas coisas que me restam.

Do nós
Gostaria que tivesse restado um pouco mais
Que bitucas no cinzeiro do meu criado mudo
Batom na gola da minha camisa branca
Os tantos arranhões em minha pele
Assim como tantas outras decepções

Mas não há coração que suporte inconstância
As minhas misturadas com as suas 
Desejo de mudança
E azar de recaída 
Sobrou perfume na minha jaqueta 
Alguns itens seus na minha gaveta 
Os quais não sei se virá buscar 

Junto com um gole de vinho
E um último beijo 
Você levantou coberta de razão e meu lençol
Deixou tudo no chão aos paços do banheiro 
Um banho rápido dispensando minha companhia 
Caminhou porta afora 
E eu soube no mesmo instante
Que você não voltaria 

Minhas mensagens ficaram sem respostas
Assim se foram os últimos dias 
O cheiro do outono permanece 
Assim como a falta de algo que me aquece 
Nunca te esperei para o jantar
E você apenas segue
E se esquece
Do quão bom foram aqueles velhos dias 

Resta a saudade 
Somada aos velhos medos
Talvez você espalhe os nossos segredos 
Assim como meus poemas em guardanapos e velhos papéis
Um dia eu te encontro por ai
No caminho de alguns bordéis
No banco da praça ou no bar do Zé 
Andando a pé
Paços largos pela noite
Procurando alguém que te dê alguns momentos torpes 
De sentimentos 

Mas eu lamento
Se algum dia deixei de te oferecer o que precisava 
Mais um amante ou duas garrafas 
Daquela cachaça do interior
Mas amor, não seja assim
Ao menos um pouco 
Lembre de mim 
Ou venha buscar tudo que deixou aqui 

Você me deve um adeus 
Mas compreendo se não quiser me dar
Entenderei que tudo não passou de um até logo
E que em breve 
Você irá voltar 
Para balançar a minha cama, minha cabeça e minha vida pôr fora do lugar

Não era aqui que eu deveria estar 
Mas espero
E mesmo que você não venha e que não queira mais me olhar 
Nos olhos
Com um sorriso simplório
Esperando que eu entenda onde você quer chegar 

Fuja, vá além
Um outro amor em breve vem 
Mas esteja certa de que
Nenhum será capaz de tomar o seu lugar



Recife

Ponha assunto na mesa, encha meu copo.
Me de um pouco mais do seu último beijo,
Me leve meu último cigarro,
Mas me leve no peito.
Tão perto 
Que eu não tenha que esperar o próximo.
Alguém que seja capaz de me roubar algo,
Como a noção, ou o fôlego
Assim como você o faz.
Saiba que é carnaval.
Fevereiro, mês que espero o ano inteiro.
Acima de tudo é Recife.
E justamente por ser Recife,
Que assim como todo carnaval tem risco de chuva,
todo amor há risco de não ser o certo.

domingo, 19 de abril de 2020

Arthur

Talvez eu tenha percebido
Tarde de mais
Que algumas coisas ficaram pelo caminho
Ali, para trás

Talvez eu tenha me atentado
Pouco, aos fatos 
E esquecido meu relógio
Em algum canto, largado 

Juntos aos poucos pedaços
Rasgados 
Do lembrete que posesse na mesa 
Mas num ato de descuido, acaso 
Derramei meu café 

Por cima dos meus versos 
Diversos, nas rimas da canção 
Na minha carta escrita a mão 
Tinha tudo que precisava saber 

É que sou desastrado 
Jogo tudo pro alto 
E não me importo se está bagunçado 
Nosso recanto ou nós mesmos

Nesse espelho quebrado 
Em tantos cacos quanto o meu coração
Você foi embora, e de antemão 
Deixou-me livre para lembrar sozinho 

Onde diabos pus o meu relicário 
Com tanto amor me desse
Junto a um afago no peito 
Disfeita que fiz, por algo sem preço

Hoje me custa até de mais
Queima, sem jeito 
Em saudade meu peito 
Com tudo que você me deu 

Mesmo sem esperar, em troca 
Tivesse um caso 
Rápido, em segredo 
Quando merecia bem mais 

Que um amante imperfeito.

Vá embora.

Mas não te deixarei levar o disco que te dei
Aquele da capa rasurada e um pouco riscado de tanto tocar
Que encontrei
Mofado, num sábado
em um sebo na beira mar
Junto ao seu livro de cabeceira

Leve apenas o livro, é mais fácil de explicar.

Não te darei o disco do Bon Jovi,
Por uma pirraça qualquer, implica, ou desejo de te poupar algumas situações estranhas, 

quando você tiver que explicar a um outro alguém sobre ser tão protetora com um objeto, porque diabos abraça ao peito, fecha os olhos e treme o queixo, junto ao tom...

como se a música transmitisse cor e cheiro além do som.

Mas sendo implicante a altura, algo meu escondido levaria.

Sei que é meu disco, preferido, que já procurei em todo lugar
Você guardou, escondeu, desde a última festa que tivemos em casa 

Só não me disse onde 
Não me disse como
Apenas disse que não lembra 
E que se lembrar não vai falar

Mas eu sei, que levará consigo, meu Belchior preferido 
E que nem mesmo vai por pra tocar.

Na espera que eu bata na sua porta 
Tendo esse pretexto, com o coração na mão e mil textos

Indo em busca do que é meu.

E eu já não sei do que eu falo, de livros, de textos, discos ou

Você e eu.

sexta-feira, 6 de março de 2020

Carnavalesca

Já é fevereiro, quase março
O amor durou mais que o esperado 
E as chuvas estão chegando
Regando as lavouras e o meu coração
Eu te sinto no ar, na brisa, na pele e nos versos da nossa canção.

Sinto o outono em mim, nos meus pelos arrepiados, nas minhas narinas que ardem, na minha voz a falhar.
Sinto a vida vibrando em mim, é algo familiar.
São os mesmos efeitos que você me dá. 

Escuta, meu bem, os maracatus,
meu coração ressoa essas marchas como orquestra no Dona Lindu 
Com a mesma pressa em que te espera chegar.

E você vem, como anuncia o Alceu, você vem 
E por mais que escute os teus sinais 
Não sei como me preparar,

Pois se tu vens, por perto das onze horas 
Terei bandeirolas para pendurar 
Cantando tareco e mariola
São João menino não tarda a chegar
Então vamos, Meu bem
Que logo mais o bloco vem, e a folia vai passar.

Veste tua fantasia, e sai comigo na pipoca 
Com cheiro de maresia, bolo, pudim e paçoca
Eu não irei sem ter você, e temo que até o entardecer 
Haverá gliter meu, em você.

Porque tu veio do Carnaval, e eu nasci banhada nas águas de março 
Mas sigo teu compasso
Mesmo não sabendo dançar. 

Tu saiu na avenida, vestida de sol, eu de longe era a lua sempre te acompanhando, 
Sem me importar.
Lados opostos de uma mesma moeda,
Nunca podem se tocar.

Mas hoje tu é a praia, eu sendo a chuva;
E assim como eclipses, tempestades de verão
Tenho a certeza, em meu coração;
Nos uniremos em alguma folia, 
Na roda de coco, no show de frevo, no bar do seu Zé Moço
Numa esquina mal falada, 
Ou nas encruzilhadas
Que a vida nos dá.




sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Me deixe ficar.

14 Fevereiro, 2020. Cabo - Pe


Meu bem,


Até chegar aqui, tropecei em tantas pedras, cada uma desviando meu caminho à sua maneira, me fazendo atrasar um pouco. 

Uma hora, duas, um ano ou outro.

Tivemos desencontros. 

Eu ainda não sei lidar com a falta, desde aquele dia em questão. 

Acordei um pouco pra lá de tarde, saltei da cama em desespero, procurando meus sapatos e minhas certezas. 

Meus sapatos estavam debaixo da cama, as certezas nunca as tive.

Fui atrás de você.

A condução corria naquela estrada, e as árvores se iam, e eu me perdi no tempo tentando me encontrar nas nossas lembranças. 

Nosso breve encontro, o toque singelo com gosto de beijo roubado na saída do colégio. 

Bagunçou um pouco aqui. 

Comecei a perceber 
Que eu precisava de um abraço e um beijo
De uma xícara de café e um xêro
De meio segundo ou então um ano inteiro. 

Meus pulmões se encheram, com a brisa do mar e desejo, e mais uma vez eu não soube lidar. 

Também não soube como te falar
Que é em seu entorno que encontro a lembrança das coisas que mais me conforta, cala meus devaneios incertos, e minha alma senta e observa o tempo passar. 

Esquece que temos que correr, que sempre fomos assim. 

Mas você me segura pela camisa, na barra, e me pede calma, alma, descansa um pouco
Me deixa ver teu rosto, respira um pouco, olha pra mim... e só então me deixa ir. 

Talvez tudo fosse mais fácil, se você não tivesse esse cheiro de chuva de verão e maresia, pequenas coisas na vida e a alegria, junto com essa energia de que apenas pessoas que são sol

Podem ter. 

Att. Sua Lua.




P.s: Transbordo com você.