segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Barmen


A rotina de atendente em um bar do centro era um tanto quanto agitada, por assim dizer, mas nada que eu não pudesse conciliar. Aquela quinta-feira em especial estava mais movimentada que os dias anteriores, ainda assim menos do que seria nos dias seguintes. Já fazia alguns pares de horas que eu trabalhava tranquilamente, enxugando e guardando alguns copos americanos que vinham limpos da cozinha, entregando um ou outro litrão para o menino que recentemente foi contratado como garçom e vez ou outra fechava uma conta e entregava o troco.
Tudo seguia como o esperado para um noite de quinta num boteco de quinta; senhores, que trabalhavam como pedreiros em uma obra ali perto, se embriagavam em umas da mesas enquanto fazia suas apostas no dominó gastando parte  do dinheiro ganho na semana; adolescentes vinham comprar vinho gelado e logo seguiam para alguma praça. Ali era o tipico ambiente que só frenquentava coroas, cornos e desiludidos com a vida.
As vezes eu tinha o infeliz azar de um dos clientes ser a mistura dos três, e nesses casos era inevitavel não se sentir dentro de um clipe do Reginaldo Rossi.

Lá pras oito horas, uma pessoa incomum chegou ao bar. Uma jovem garota com o olhar distante, bonita até. Já me preparava para tirar uma garrafa de vinho do freezer quando ela sentou no balcão, no único banco que dava visão para a rua.

"Vinho?" Perguntei.

"Cerveja, Itaipava latão. E duas fichas." Assim que foi entregue seu pedido, a grota levantou-se pegando um taco recostado na parede ao lado do balcão e dirigiu-se á mesa de sinuca que, por algum milgre, estava esquecida naquela noite.

Fui obrigado a desviar minha ateção da figura peculiar quando outros clientes chegaram, assim mais um par de horas se foi.

Mais alguns latões e mais tres fichas, a garota, que agora eu sabia se chamar Vitória, encontrava-se sentada novamente ao balcão. Catava alguns amendoins e olhava vez ou outra para algo na praça que ficava de frente ao bar. Um maço de Hollywood foi pedido. Descobri que o alvo de sua atenção era um casal sentado em um banco da praça. Era uma pena uma garota tão bonita estar assim por um cara qualquer, mas não podia negar que esse tipo de situação era bastante comum. Em todos os lugares.

Não demorou muito até que o casal fosse embora, e assim Vitoria trocou suas Cervejas por doses de aguardente, e nessa altura eu já me econtrava impressionado por ela não estar caindo pelo bar, considerando seus seis latões e as três doses de Pitu. Cada minuto que se passava, aquela garota me deixava ainda mais inquieto, e curioso. Seu maço de cigarros pela metade, ela rabiscava algo em um bloco de notas. O relógio já marcava uma da madrugada, o bar já quase vazio, mas ela não parecia se importar com isso.

"Você não acha que é muito jovem para tanto álcool?" Perguntei.

"Sou jovem para um par de coisas, mas isso não significa que eu não as faça." Respondeu.

"Quantos anos?"

"Dezenove."

"Sua bebedeira tem um motivo. Algo ou alguém?"

"Sabe que não precisa bancar o garçon amigo, não sabe?"

"Estou curioso, não pude evitar."

"Olhe, está tarde. E eu, bebada. Nada de realmente proveitoso acontece nesse horario. Então apenas desça mais uma dose e me deixe terminar de me desgraçar."

"Vamos lá, pelo visto temos a noite toda aqui. O bar tem uma política de apenas fechar quando o ultimo cliente for embora. Além do mais, notei seus olhaes para o casal que estava lá fora." Vitoria levantou o olhar do copo, me olhando indiferente.

"Sei que notou." Sua atenção logo foi para os seus amendoins.

"Oras, faremos assim; Seu Jão não se importa que eu beba, divida comigo o que restou do seu maço, e eu ponho dois litrôes, e de quebra alguns amendoins por conta da casa." E assim foi.

Já estavamos na metade do segundo litrão e Vitoria nada havia me contado, então nos distraimos com algumas bobagens. Seu bloco de notas estava abarrotados de escritos, a quais não consegui permissão para lê-los, apenas o endereço eletronico de seu blog, onde ela postava alguns textos. A Jovem escritora divertia-se com as historias que eu contava a respeito das pérolas que aquele bar já recebeu, ao longo dos anos em que eu trabalhava ali. Prometia entre uma e outra risada contida, escrever sobre o que eu contava.

"Sabe, você é uma garota legal de mais para sofrer por uma cara daqueles, que nem ao menos combina com você." Se eu quisesse conseguir algo dela, teria que começar a jogar em algum momento. Vitória apenas riu da minha cara, acendendo seu ultimo cigarro.

"Me desculpe, mas voce não faz meu tipo, Welber." Não pude deixar de rir de sua brincadeira.

"Voce tambem não faz o meu." Foi sua vez de rir.

"É, eu sei bem." Fiquei confuso com sua frase.

"O que quis dizer com isso?"

"Sou amiga do Daniel... De longa data." Respondeu simples com um dar de ombros, não pude deixar de ficar surpreso, mas logo tratei de me recompor.

"Mas o assunto aqui não se trata de mim. E agora que deixamos as formalidades de lado, trate de ir direto ao ponto que eu ainda estou curioso." Retirei mais um litrão do freezer.

"Você não vai desistir, não é?"

"Não." Ela suspirou, terminou seu copo e encheu de novo.

"Aquela garota, que acredito que você nem ao menos notou a cara pois estava ocupado de mais analisando o boy, costumava ser minha namorada. Aliás..."

Há exatos cinco dias atrás
Ela era minha namorada
Há exatos cinco dias atrás ela dizia que me amava
Sempre antes de dormir
Há exatos cincos dias atrás ela me fazia planos e me jurava coisas
Agora, cinco dias depois, ela aparece de mãos dadas com um cara qualquer
E eu me pergunto para onde foi todo aquele amor

"O que você pretende fazer?"

"Agora ? Vou para casa, terminar minha noite no conforto de minha solidão. Pelos proximos dias, talvez meses, estarei usando dela e tudo que me causou para escrever textos ruins que só pessoas em situações piores que a minha gostariam de ler." Ela se levantou, deixou uma nota sobre o balcão, que cobria o seu consumo e até mesmo as bebidas a mais que eu peguei, esticou-se sobre o balcão pegando um maço de cigarros do suporte e me deu as costas.

"Diga ao Dan que eu mandei lembranças." E se foi.

Desde então, costumo visitar o blog que ela me permitiu acesso. Daniel me deixou faz alguns meses, e descobri que Vitoria tinha razão a respeito de seus textos.

Apenas pessoas em uma situação pior que a dela gostava de ler suas palavras.

Eu era uma dessas pessoas.

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