sábado, 5 de janeiro de 2019

O dia em que fiquei doente






Já era de manhã e eu pouco tinha dormido, minha cabeça estava prestes a explodir e a claridade entrando pela janela me irritava profundamente.
Eu apenas queria vegetar em paz.

Ouvi o barulho das chaves no portão e me virei para esconder o rosto no sofá.
Não se demorou muito até que eu conseguir ouvir os protestos da minha mãe.
(Amém, pelo menos não era o meu irmão.)

Revirei os olhos para seu habitual ritual de reclamações.

A casa estava uma bagunça!

Mas, e daí?

Minha mente estava uma bagunça.
Minha vida estava uma bagunça.
Eu estava uma bagunça.

Mas essas últimas três bagunças ela não tinha o conhecimento.
Ou tinha e não se importava.
Não sei dizer.

"Da para você ao menos olhar para mim enquanto estou falando?"
Sua voz irritada me trouxe de voltar a realidade, e eu fiz o que ela pediu. 

"Por quê não foi a escola ?"

Seu tom irritado mudou para algo incerto.
Ela não gostou do que viu. 
Isso eu posso dizer. 
Tinha algo de errado, era nítido,
Não na sua expressão carrancuda,
Mas na minha cara de derrota.

"Você poderia pelo menos considerar perguntar se estou bem antes mesmo de fazer qualquer reclamação ?"

Até mesmo a minha voz denunciava o quanto eu estava mal, era o combo perfeito.
Minha voz de fracassada, e minha cara de derrota.

"Você adoeceu de novo ? O quê você tem ? Já tomou remédios ?"

A preocupação se fez presente e eu não dei a mínima, voltei a me perder nos meus devaneios.

Era o que eu sabia fazer de melhor. 

Quando voltei a mim ela já não estava na minha frente, e sim batendo os armários da cozinha.

"Isto deve ser crise alérgica, o tempo vem mudado muito ultimamente."
Eu apenas ouvia seu monólogo e observava seu vai e vem pela casa.

Sim, os tempos vinham mudando.
Tão depressa que eu mal posso acompanhar, e com mais frequência do que você pode imaginar, e assim estou aqui, perdida em meio ao meu próprio espaço-tempo. 

Era outra coisa que eu sabia fazer muito bem.

Mais uma vez o barulho das chaves me fez acordar. 

"Irei a farmácia comprar outro antialérgico e depois irei comprar algumas frutas, quer alguma coisa ?"

Lhe sorri fraco, e uma lágrima desceu lentamente queimando meu rosto.
Em instantes a vi de joelhos, próxima ao sofá, sua mão acariciando meus cabelos me fez fechar os olhos.

"Está doendo muito ? Quer ir ao hospital ?"

"Mãe...
Na farmácia
Vende remédio
Para coração partido ?"



Um ano se passou depois disso e, bem, eu não obtive uma resposta. 
Mas, se eu tivesse de responder essa pergunta para minha filha, isto é, se eu tivesse uma, eu lhe diria que procurei remédio para meu coração partido em todas as farmácias que eu conhecia. Nas do meu bairro e até mesmo nas do bairro vizinho.

 Não encontrei em nenhuma delas.

Hoje sei que se eu tivesse procurado em um bar,
certamente...

Encontraria.

(E nem seria preciso ir tão longe, minha cidade tem um bar em cada esquina.)

Eu contínuo sendo muito boa em me perder no espaço-tempo de meus próprios devaneios. 
Mas, atualmente, beber é o que faço de melhor.

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