quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Perca seu tempo

 Converse comigo.


Converse comigo até que seja tarde, mas tão tarde que seja cedo.

Perca o ônibus, espere o próximo.

Me faça perder a hora de tomar meus remédios, não me importo.

Dívida o maço, o copo, a lata ou uma história, duas, três...

Ria de qualquer bobagem que eu falei, e fale uma ainda maior, para rirmos...

Rirmos ao ponto de faltar ar, e no fim da risada só restar um breve olhar...
Antes de mudarmos de assunto.

E então marque comigo.

Uma caminhada na praia numa tarde de um domingo qualquer, ou um filme indie no São Luís.

Uma volta pelo antigo, ou um dos bares da aurora... Até mesmo um vinho barato em uma praça, eu topo! Uma conversa literária.

Ah, Camões... Lispector, Assis...

Converse comigo...

Até que o tarde se torne cedo.

Até que o dia esteja terminando para nós e começando para os outros.

Quero voltar para casa, descalça, com o que sobrou do vinho na garrafa, bebendo os últimos goles já quentes, andando pelo meio fio, chutando pedras e cantarolando Johnny Hooker... Porque estou feliz, e a noite foi boa.

Mas a companhia...

Melhor ainda.

( Fevereiro, Yasmim e Ísis.)

A carta que não tem destinatário fixo.


"Um viajante, com uma alma aventureira, as vezes pode permanecer mais tempo em algum lugar, do que é esperado.
Simplesmente por se ver encatando com as belezas locais.

Mas sempre vai chegar o momento
Em que ele

Já terá
Visitado
Todos os pontos turísticos.

Já terá
experimentado
Todas às aventuras que aquele lugar pode oferecer.

Já terá
Provado
Toda a culinária local.

Já terá
Ido em
Todos os bares,
Museus,
Praças,
E eventos.

E por mais que o lugar pareça incrível e encantador, nada satisfaz a sede de aventura do viajante.

Ele sabe que no mundo há muitos lugares a se conhecer.
E quando menos se espera, o viajante pega sua bagagem, recolhe as lembrancinhas que comprou, faz check-out,

E vai embora."


No nosso romance, você foi o viajante.
E minha vida, obviamente, o lugar.

As belezas naturais, e pontos turísticos de lugares esplêndidos, as vezes não são capazes de fazer com que alguém
Fique,
Se estabeleça,
Ou
Crie raízes. 

Por que mesmo eu seria capaz de te fazer ficar ? 

Nem ao menos foi minha intenção. 

É a sua essência, custou mas eu atendi.
Não posso te fazer mudar, não se pode prender um espírito livre. 

Mas é pedir de mais da minha capacidade de compreensão, e esperar de mais da minha maturidade, achar que vou aceitar de bom grado os seus cartões postais.

Dói ver suas fotos e seus check-in e outros lugares que lhe encantam, dói ainda mais saber que você não tem um endereço fixo para que eu te mande esta carta.

Tu demostras estar feliz, toda vez que pública um check-in ou comenta sobre o ótimo atendimento de alguma estalagem.
Os lugares que você passa são lindos, admito. 
São tão lindos, e você me parece tão feliz, que me custa acreditar em suas palavras de saudades, rabiscadas nos versos dos postais que você me manda. 

Quando você resolver voltar, espero que suas tantas viagens tenham lhe dado sabedoria o suficiente para compreender que o tempo passa, e coisas acontecem.

Alguns restaurantes 5 estrelas perdem credibilidade.
Pontos turísticos deixam de ser atraentes.
Hotéis falem.
Monumentos são vandalizados.
Desatres naturais acontecem.
E reconstruções são feitas. 

Não volte para um lugar com o pensamento que ele vai sempre continuar o mesmo.

Algumas pessoas só estão de passagem.
Algumas permanecem e depois vão embora, logo após cumprir sua função.
E algumas apenas se mudam.

Apenas tenha em mente: 
Você não é o único turista que por aqui passou, e nem será o último.

Espero que um dia encontre o que tanto procura.

Atenciosamente, R.


Gaibu

 Fico imaginando você de mãos dadas comigo 

Desviando das pessoas sentadas às mesas dos bares lotados
Daquela avenida movimentada 
Que fica fechada
Aos fins de semana

E se parássemos na vendinha hippie ? 
Eu te compraria um colar de pedra
Ou
Brincos de concha

E te veria revirar os olhos 
Por eu saber todos os significados
E todos os nomes
Das pedras
É, você nunca foi alguém que se atém a simbolismo. 

Ou até mesmo ao misticismo. 

Irônico.

Passaríamos na barraca de tiros ? 
Não sei se você gosta de armas

E quais seriam os loucos que pagariam dois temers por três tiros ? 

Eu pagaria.

Mesmo sendo péssima ao segurar a espingarda de pressão
E tendo uma mira horrível 

Você me pediria para acertar a caixa de chocolates ? 

Bem, eu tentaria.

Mas falharia miseravelmente

Porque me distraí ao puxar o gatilho
Pois algo na sua expressão
Ao me ver concentrada em algo
É muito mais interessante 
Que qualquer outra coisa

A verdade é que você foi meu clichê mais desejado

Aquele que nunca aconteceu
Mas eu sempre quis

Um passeio de verão em Gaibu
E queria até mesmo 
Você sentada no meu colo
Numa cadeira de balanço da varanda
Enquanto leio um livro qualquer
Numa manhã chuvosa

Ou um rádio velho tocado nossa música no fim de tarde de um domingo ensolarado
Enquanto eu te ajudo a preparar o café

Eu quis você me apertando os dedos da mão
Quando passar alguém bonito
Sem notar que eu nem mesmo olho
Perdida na sensação da sua mão na minha

Eu quis todos os abraços de até logo e os beijos de bem vindo de volta ao chegar do trabalho

Eu quis tudo isso e mais um pouco

Mas talvez seja porque o Eça disse que os amores eternos são os amores impossíveis

Que nada disso tenha sido possível antes

E nunca será

Pois somos como aquele livro

Que foi uma boa ideia, ah, foi uma ótima ideia

Mas o autor não soube como coloca-la em palavras, mas publicou mesmo assim

E somos iguais. 

Uma boa ideia perdida num emaranhado de palavras mal escolhidas, ao acaso jogadas num papel empoeirado

E talvez a gente nunca passe disso.